‘Me senti um peixe fora d’água a vida toda’, diz mulher que descobriu superdotação aos 43 anos; veja este e outros relatos

Letícia Maltez confirmou suas altas habilidades depois de acompanhar desenvolvimento dos dois filhos, também superdotados. Mães de crianças com o mesmo laudo relatam alegrias e dificuldades dos filhos no desenvolvimento.

Imagine um cérebro funcionando como se, nele, houvesse três vias de tráfego. Em um cérebro de uma pessoa com altas habilidades, os veículos andam a 500 km/h, 700 km/h e a 3 km/h, simultaneamente. Enquanto que, no cérebro de uma pessoa sem tal condição, os carros andam em velocidade constante de 90 km/h.

Essa foi a explicação que a servidora pública Letícia Maltez, de 42 anos, ouviu ao receber o seu laudo de superdotação/altas habilidades, na última segunda-feira (14). “Foi aí que caiu a ficha”, diz ela.

“Eu passei a vida inteira me sentindo um peixe fora d’água, tão diferente das outras pessoas em questões que me incomodavam, que ninguém enxergava, ninguém via. E aí as coisas começaram a fazer mais sentido. É porque eu funcionava de uma forma muito mais rápida que os outros”, conta Letícia.

Letícia tem dois filhos superdotados. Ela relata que só iniciou sua busca pelo autoconhecimento depois de acompanhar o desenvolvimento deles.

Quando o mais velho começou a ter problemas na escola, ela passou a estudar a superdotação. A servidora pública lembra que, quando ela era jovem, também enfrentou dificuldades e se sentia deslocada.

“Se eu soubesse disso lá atrás, eu teria crescido uma criança, uma adolescente mais tolerante, por entender que eu funcionava diferente. Quando eu era criança eu não estudava pra prova, fazia a tarefa de casa sozinha, e com notas sempre muito altas. Quando eu precisei estudar de verdade no ensino médio, eu não sabia estudar porque nunca tinha precisado. E aí vieram as notas baixas”, lembra.

Apesar dos obstáculos, Letícia se desenvolveu, ainda que se sentindo incompreendida. Fez dois cursos superiores – administração e turismo e direito – e passou em dois concursos públicos. Atualmente, se interessa por artes, mas diz que não descobriu uma área específica que seja seu foco.

“Minha superdotação é global, que é a mesma do meu filho mais velho. Ou seja, a gente tem facilidade em muitas áreas diferentes, e aí fica difícil escolher um caminho pra seguir”, diz a servidora pública.

A família do Pedro, de 6 anos, começou a desconfiar que ele tinha altas habilidades quando o menino tinha 2 anos. Naquela idade, ele já tinha uma ótima noção numérica – chegava em um lugar e dizia quantas pessoas estavam lá; se alguém saísse, dizia quantas ficavam.
Ele também aprendeu uma música em russo ao ouvir uma única vezconjugava verbos, conhecia as espécies de dinossauros e sabia todos os planetas do Sistema Solar.


“O Pedro tem muito do perfil ‘clássico’ que a gente vê na superdotação. De ser o bom aluno, de ser certinho, de ler muito. Mas ele tem também aquele lado que talvez não seja tão conhecido, da ansiedade extrema e de sentir com intensidade as dores do mundo”, conta Raquel Morais, 33, mãe de Pedro.

Ela lembra que viveu momentos difíceis com o filho na escola particular. Como ele já lia, escrevia, somava e diminuía, começou a ser excluído. Fora isso, todos se sentavam em dupla, mas ele ficava sozinho.

“Ele começou a ter medo, chorava para não ir. Troquei de escola às pressas e corri para a terapia. Ele adquiriu um medo enorme de professores”, diz Raquel.

Chamado de ‘doido’ pelo professor

Um problema parecido foi vivido pelo Gabriel, de 10 anos, só que na rede pública de ensino. A mãe dele, Fábia Souza, de 47 anos, conta que o menino chegou a ser chamado de “doido” por um professor.

“No ano passado, o diretor me chamou por duas vezes e perguntou por que a gente não mudava o Gabriel de escola, porque ‘ninguém gostava dele’. Imagina como é para uma mãe ouvir isso”, conta Fábia.

Ela diz que viveu momentos dolorosos ao ver o seu filho ser excluído das atividades e dos demais colegas. Mas buscar atividades de interesse para Gabriel fez com que o menino se desenvolvesse.

Atualmente, ele joga xadrez e futebol, “com muita habilidade”, diz a mãe. Mas ter uma nova professora que o acolhe e o aceita fez toda a diferença, segundo Fábia.

A superdotação

O Censo Escolar de 2022 apontou que há 26.815 alunos identificados com altas habilidades/superdotação no Brasil. No Distrito Federal, são 756 alunos.
Segundo a neuropsicopedagoga Olzeni Ribeiro, a principal característica da superdotação é a atividade metabólica intensa do cérebro: o processamento de informações se dá de forma muito rápida.
A superdotação não é voltada para uma área específica, mas sim para o funcionamento da pessoa. Há características que são comuns, mas não há um padrão de perfil para superdotados.

Algumas características de quem tem superdotação incluem:

  • Distúrbios do sono (como sonambulismo e terror noturno);
  • Intensidade (tato, sons, cheiros e emoções podem ser sentidos de forma muito mais exacerbada);
  • Senso de justiça muito aguçado;
  • Necessidade de questionar;
  • Autocobrança;
  • Perfeccionismo;
  • Baixa tolerância à frustração;
  • Memória acima da média.

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