Em nota oficial, Itamaraty classificou o bombardeio americano como violação da soberania iraniana e do direito internacional; governo Lula pede solução diplomática urgente e alerta para riscos irreversíveis à paz global
Brasília – O governo brasileiro condenou “com veemência” neste domingo (22) os ataques realizados pelos Estados Unidos contra instalações nucleares do Irã. Em nota oficial divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), o Brasil classificou a ofensiva americana como uma violação da soberania iraniana e do direito internacional, expressando “grave preocupação” com a escalada militar no Oriente Médio. O comunicado destacou que “qualquer ataque armado a instalações nucleares representa flagrante transgressão da Carta das Nações Unidas e de normas da Agência Internacional de Energia Atômica” e que ações desse tipo representam “uma grave ameaça à vida e à saúde de populações civis”, ao expô-las ao risco de contaminação radioativa e a desastres ambientais de larga escala.

Reiterando sua posição histórica, o Itamaraty enfatizou a defesa do uso exclusivamente pacífico da energia nuclear e rejeitou “com firmeza” qualquer forma de proliferação nuclear, especialmente em regiões marcadas por instabilidade geopolítica, como o Oriente Médio. A nota diplomática também repudiou ataques “recíprocos contra áreas densamente povoadas”, que vêm causando numerosas vítimas civis e danos a infraestruturas – inclusive hospitais, instalações especialmente protegidas pelo direito humanitário internacional. O governo brasileiro fez um apelo para que todas as partes envolvidas no conflito exerçam a máxima contenção e ressaltou a “urgente necessidade de solução diplomática” que interrompa o ciclo de violência e abra espaço a negociações de paz. Segundo a chancelaria, a continuidade da escalada militar pode gerar “danos irreversíveis” para a paz e a estabilidade na região e no mundo, bem como para o regime global de não proliferação e desarmamento nuclear.
Escalada do Conflito
O ataque condenado pelo Brasil ocorreu na noite de sábado (21), quando as Forças Armadas dos EUA bombardearam três instalações nucleares do Irã – Fordow, Natanz e Isfahan. Segundo Washington, o objetivo da operação foi destruir a capacidade de enriquecimento de urânio do regime iraniano e neutralizar uma ameaça nuclear iminente representada por Teerã. Em pronunciamento na Casa Branca após a ofensiva, o presidente dos EUA, Donald Trump, classificou o ataque como “muito bem-sucedido” – um “espetacular sucesso militar” – afirmando que as principais usinas de enriquecimento do Irã foram “completamente obliteradas”. Trump enfatizou que os EUA não têm interesse em uma guerra aberta nem em promover mudança de regime em Teerã, indicando que o bombardeio teve caráter pontual. Ainda assim, ele advertiu que, se o Irã não optar pela paz, “ataques futuros serão muito maiores” e outros alvos poderão ser atingidos.
Essa ofensiva marcou a entrada direta dos Estados Unidos em um conflito que já vinha se agravando há semanas entre Israel e Irã. Desde 12 de junho, o governo israelense lançava ataques aéreos “preventivos” contra alvos em território iraniano, sob o argumento de impedir o país de obter uma bomba atômica e enfraquecer o regime do aiatolá Ali Khamenei. Em resposta, o Irã retaliou disparando mísseis de médio e longo alcance contra cidades israelenses como Tel Aviv e Jerusalém, causando destruição e numerosas vítimas civis. Nos dias seguintes, as forças israelenses conseguiram debilitar as defesas aéreas do Irã e obter superioridade no espaço aéreo iraniano, mas não dispunham de armamentos capazes de destruir instalações nucleares fortificadas no subsolo. Diante desse impasse, os EUA decidiram intervir militarmente para atingir de forma efetiva os complexos nucleares iranianos mais protegidos.
Imagens de satélite feitas após os bombardeios revelam crateras e prédios destruídos nas instalações nucleares atacadas, evidenciando a intensidade da ofensiva. Para golpear a usina subterrânea de Fordow – construída sob uma montanha para resistir a ataques – os americanos empregaram bombas de alta penetração do tipo “destruidoras de bunker” (bunker busters). Segundo fontes do Pentágono, esta foi a maior operação já conduzida com bombardeiros B-2 na história militar dos EUA, envolvendo mais de uma centena de aeronaves. Ao todo, pelo menos 14 bombas anti-bunker de alta potência e dezenas de mísseis de cruzeiro Tomahawk foram utilizados nos ataques.
O governo iraniano reagiu com indignação, classificando o bombardeio dos EUA como uma violação flagrante das normas internacionais. O chanceler Abbas Araghchi acusou os Estados Unidos – membro permanente do Conselho de Segurança da ONU – de terem “cometido uma grave violação da Carta da ONU, do direito internacional e do Tratado de Não Proliferação Nuclear” ao atacar instalações nucleares iranianas que Teerã afirma ter fins pacíficos. Araghchi qualificou o ataque como “ultrajante” e alertou que haverá “consequências duradouras”, declarando que o Irã “se reserva todas as opções” para defender sua soberania. Horas após a ofensiva americana, mísseis iranianos atingiram alvos no norte e no centro de Israel, deixando ao menos 16 feridos, segundo a imprensa local – uma primeira retaliação de Teerã que aumentou ainda mais a tensão regional.
O Irã insiste que seu programa nuclear é estritamente pacífico e nega estar buscando armas atômicas. Ainda assim, um relatório recente da agência nuclear da ONU (AIEA) detectou níveis de enriquecimento de urânio excepcionalmente altos nas instalações iranianas, alimentando temores de que o país estivesse se aproximando da capacidade de produzir uma arma nuclear. Para o regime iraniano, essas suspeitas serviram de pretexto para a “agressão” promovida por EUA e Israel, cujo objetivo final seria derrubar o governo dos aiatolás em Teerã.
Repercussão Internacional
A comunidade internacional reagiu com preocupação imediata diante da escalada. O secretário-geral da ONU, António Guterres, classificou a intervenção dos EUA como uma “escalada perigosa em uma região que já está no limite”, constituindo uma ameaça direta à paz e à segurança internacionais. Ele alertou para o risco de o conflito “sair rapidamente do controle – com consequências catastróficas para os civis, a região e o mundo”. Guterres fez um apelo urgente por um cessar-fogo imediato e pela retomada do diálogo diplomático, enfatizando que apenas uma solução negociada poderá evitar um desastre maior.
Entre os aliados ocidentais dos EUA, o tom mesclou apoio à operação e convocações à cautela. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, expressou respaldo ao ataque americano contra o programa nuclear iraniano, afirmando que não se pode permitir que o Irã desenvolva armas nucleares. Londres negou ter participado da ação, embora autoridades em Washington tenham informado previamente o governo britânico sobre os preparativos da ofensiva. Ao mesmo tempo, Starmer e outros líderes europeus ressaltaram a necessidade de buscar uma saída diplomática para a crise. A chefe de política externa da União Europeia, Kaja Kallas, pediu que “todos os lados recuem” e evitem uma nova escalada, ao mesmo tempo em que salientou que não se pode permitir que o Irã obtenha armamento atômico. O governo da França igualmente instou todas as partes à moderação e defendeu uma solução negociada no âmbito do Tratado de Não Proliferação Nuclear.
Países que rivalizam com a influência americana condenaram veementemente a ofensiva. O governo russo afirmou “condenar veementemente” os bombardeios americanos, qualificando-os como irresponsáveis e como uma grosseira violação do direito internacional – e advertiu que “uma escalada perigosa já começou, repleta de mais riscos para a segurança regional e global”. A China fez coro nas críticas, acusando Washington de desrespeitar as normas internacionais e exigindo um cessar-fogo imediato. Na América Latina, aliados próximos de Teerã também repudiaram a ação dos EUA. O chanceler venezuelano Yvan Gil classificou o ataque como uma “agressão militar dos EUA, a pedido do Estado de Israel”, exigindo a cessação imediata das hostilidades, enquanto o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, declarou “condenar veementemente” o bombardeio americano por constituir uma escalada perigosa que viola a Carta da ONU e mergulha a humanidade em uma crise de consequências irreversíveis.
No Oriente Médio, as reações foram de alerta e, no caso de Israel, de aprovação. O governo do Catar – que atua como mediador regional – advertiu que a atual “escalada perigosa” na região pode levar a consequências “catastróficas” tanto no âmbito regional quanto internacional, conclamando “todas as partes a demonstrar sabedoria e moderação” para evitar um desastre. A Arábia Saudita afirmou estar acompanhando os desdobramentos “com grande preocupação”. Israel, por sua vez, saudou a intervenção dos EUA. Autoridades americanas revelaram que Washington avisou previamente o governo israelense sobre o ataque, e Trump conversou com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu logo após os bombardeios. Netanyahu – que há mais de uma década defendia ações militares para deter o programa nuclear do Irã – declarou que a cooperação entre Washington e Tel Aviv neste episódio demonstra a determinação de ambos os países em impedir que Teerã obtenha armas nucleares.
Possíveis Desdobramentos
Especialistas temem que os próximos passos dessa crise possam levar a uma guerra mais ampla no Oriente Médio, caso não haja contenção. O Irã já sinalizou que pretende retaliar o bombardeio americano – possivelmente mirando bases militares e tropas dos EUA estacionadas na região, ou até mesmo tentando bloquear o estratégico Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% de todo o petróleo comercializado no mundo. Autoridades em Washington afirmam que não desejam um conflito prolongado, mas alertam que responderão de forma enérgica a qualquer ataque iraniano contra seus interesses. As forças americanas no Golfo Pérsico foram colocadas em alto nível de prontidão, enquanto monitoram de perto os movimentos de Teerã e de grupos aliados ao Irã, como milícias regionais, para detectar eventuais retaliações.
No front diplomático, o Irã comunicou ter solicitado uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU para denunciar o ataque dos EUA, e pediu apoio internacional contra a violação de sua soberania. Não está claro, porém, se haverá consenso entre as potências do Conselho para condenar a ação ou adotar medidas concretas. A situação deve dominar as discussões internacionais nas próximas semanas – inclusive a cúpula do Brics, que o Brasil sediará em 6 e 7 de julho no Rio de Janeiro. O encontro reunirá líderes de potências emergentes diretamente interessadas na crise: China e Rússia (aliadas do Irã, ambas já condenando os bombardeios dos EUA), além de países como Índia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, que também integram o Brics. Para o governo Lula, que mantém importantes laços tanto com Washington (os EUA foram o segundo maior parceiro comercial do Brasil em 2024) quanto com Teerã (que ingressou formalmente no Brics no ano passado), o desafio será promover o diálogo e equilibrar as diferentes posições de seus parceiros. Analistas avaliam que o Brasil poderá usar sua tradição diplomática e o peso de anfitrião da cúpula para buscar uma solução negociada que freie a escalada. Por ora, a comunidade internacional acompanha com apreensão os rumos do conflito – e aguarda para ver se a via diplomática conseguirá prevalecer antes que os danos se tornem irreversíveis.