‘Fogos e rojões fazem com que autista não tenha qualidade de vida, ficando nervoso e até praticando a automutilação’, dizem advogados. Sofrimento animal é outra justificativa.
A Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF) lançou uma campanha de conscientização para tentar reduzir o uso de fogos de artifício e rojões nas comemorações, principalmente com a chegada do fim de ano. A justificativa é o sofrimento provocado principalmente entre pessoas com autismo e animais – domésticos e silvestres – por causa do barulho.
“Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) sofrem com essa forma de comemoração por terem uma hipersensibilidade aos ruídos, o que faz com que esses barulhos gerem uma sobrecarga aos sentidos, ao mesmo tempo ocasionando crises de ansiedade, pânico, e instabilidade emocional e comportamental”, diz a OAB.
“Os fogos e rojões fazem com que o autista não tenha qualidade de vida, ficando nervoso e até praticando a automutilação”, aponta o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da OAB-DF, Edilson Barbosa.
A proposta da OAB é para que as pessoas reflitam sobre a necessidade de soltar fogos e rojões. “Que tenham compaixão, que se coloquem no lugar do autista que tem hipersensibilidade aos sons. É possível celebrar de diversas maneiras sem prejudicar o próximo”, diz Barbosa.
Sofrimento
A confeiteira Ana Márcia Mafra é mãe de Rafael Mafra, de 28 anos, que foi diagnosticado com autismo logo no primeiro ano de vida. A família descobriu após perceber que que ele tinha alta irritabilidade com barulhos.
“Desde pequeno ele tem essa sensibilidade auditiva, onde ele não pode ouvir nenhum tipo de barulho muito alto como carro de som, motos, e principalmente os fogos”, conta a mãe.
Além do autismo, Rafael passou a ser epilético e tem esclerose mesial lateral, o que faz com que as crises sejam fortes e de difícil controle. “Se ele fica muito nervoso, pode ter convulsões. Ele já chegou a ficar internado por cinco dias por conta disso, e o sofrimento maior é com os fogos”, diz Ana Márcia.
Pânico e mortes de animais
Animais com cartazes que pedem que as pessoas não soltem fogos de artifício barulhentos, em imagem de arquivo — Foto: Arquivo pessoal
Os animais também são vítimas desse costume. Ao tentar se proteger do barulho gerado por fogos e rojões, eles acabam fugindo, se machucam e, muitas vezes, acabam atropelados nas ruas.
No caso dos animais silvestres, principalmente os pássaros, alguns podem até morrer em decorrência de parada cardiorrespiratória, por causa do susto, dizem os especialistas.
“É quase incalculável o prejuízo gerado. Inúmeras famílias, tutores de animais não saem para comemorar as festas e vitória de seus times. São obrigadas a estar em casa ao lado dos seus familiares vulneráveis e pets para evitar que eles se machuquem, fujam e até morram”, diz a vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais Ana Paula Vasconcelos
“Enquanto alguns se divertem com os estrondos dos fogos e rojões, um grupo muito maior perde a paz e até a vida. Não faz sentido isso continuar sendo permitido”, afirma Ana Paula.
Segundo a veterinária Adriana Saltoris, a razão de os animais sentirem tanto desespero com barulhos é a audição extremamente aguçada deles. “Além da sensibilidade auditiva, eles não sabem, como nós sabemos, de onde vem esses barulhos estranhos e é natural que eles associam ao perigo. Com medo, eles podem acabar se acidentando, fugindo e até morrendo”, explica.
Para evitar que acidentes ocorram, aqui vão algumas dicas para os tutores:
- Não deixar o animal preso a correntes, isso pode causar até enforcamento, como em muitos casos acontecem quando o bichinho se enrola na própria corrente ou tenta pular o muro;
- Não deixar o animal em ambientes com janelas abertas, mesmo tendo grades. O animal pode tentar pular e acabar caindo ou ficando preso na grade;
- Não deixar o animal sozinho e trancado durante os estrondos, isso só reforça o medo e a associação do barulho a algo ruim. Há também o risco de o animal passar mal sem ninguém para socorrê-lo;
- Jamais brigar com o animal, ele não tem culpa de sentir medo. Invés disso, oferecer carinho e petiscos para que ele associe o barulho a algo bom;
- Hoje em dia, há playlists musicais direcionadas aos animais e apropriadas para a audição aguçada deles, para amenizar esse momento de tensão. É recomendável que durante esses episódios, os tutores deixem o som mais em evidência para que camufle, o máximo possível, os sons de fora. Se não for possível, pelo menos deixar o som da tv mais alto para ele não se prender somente ao som da rua;
- Não deixar portas e janelas abertas que possibilitem acesso à rua. Muitos animais fogem e acabam se perdendo, sendo atropelados e ficando vulneráveis a todo tipo de perigo da rua;
- Em casos de acidente ou mal estar mais acentuado, levar o animal imediatamente ao veterinário;
- Sempre deixar seu animal com coleira e plaquinha de identificação contendo o nome do pet e o contato do tutor. Se mesmo com todos os cuidados ainda ocorrer uma fuga, a identificação poderá ser decisiva para que o tutor recupere o seu bichinho.
O que diz a Lei
A Lei Distrital nº 6.647/2020 estabelece que são proibidos o manuseio, a utilização, a queima e a soltura de fogos ou qualquer artefato pirotécnico que produza estampidos.
Em razão de todos os prejuízos causados e da falta de fiscalização, foi proposta ação civil pública cobrando do GDF a aplicação da lei. Embora tenha sido concedida medida liminar determinando o cumprimento imediato da legislação pelo GDF, a liminar estava suspensa em virtude de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ana Paula Vasconcelos explica que o STJ restabeleceu a decisão da Vara do Meio Ambiente que obriga o GDF a cumprir a lei que proíbe a soltura de fogos de artifícios com estampido no DF. “O que muda agora é que o GDF precisa cumprir a liminar e apresentar um plano de fiscalização”, afirma.
Fonte: G1