Há dez anos, neste mesmo mês, milhares de brasileiros entoavam, juntos, palavras de ordem nas principais capitais do Brasil pedindo mudanças na política, no transporte público, na saúde e na educação. Em Brasília, centro político do país, ruas da Esplanada e a rampa do Congresso Nacional foram tomadas por manifestantes.
Passada uma década, especialistas dizem que as “jornadas de junho” marcaram início de mudanças no cenário democrático brasileiro. Para Flávia Pellegrino, coordenadora do Pacto pela Democracia, apesar de legítimas, as pautas perderam lugar de mobilização e união para dar espaço à disputa de lados.
“Do campo democrático contra o campo da extrema direita. […] Esse ciclo marcado pela contestação da democracia, de erosão democrática e de contestação do sistema, começou em 2013”, diz a cientista política.
Um dos atos mais marcantes, no dia 20 de junho, levou cerca de 40 mil pessoas às ruas. Houve confronto com a PM, três pessoas acabaram presas e 127 ficaram feridas.
Manifestantes vão às ruas de Brasília em junho de 2013
Eduardo Rodrigues e Tiago Dias, os dois hoje com 33 anos, estavam entre os manifestantes. Na época com 23 anos, eles faziam parte da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e a União Nacional dos Estudantes (UNE)
“Reivindicávamos 10% do PIB pois só através de investimentos na educação esse país iria para frente. De dez anos pra cá, muita coisa mudou, mas nem todas para melhor”, diz Eduardo.
Tiago diz que se uniu aos movimentos de 2013 por acreditar que era preciso buscar melhorias em todas as áreas sociais. Na época, ele não fez nenhum registro em foto de sua participação.
“Naquele momento, eu senti a necessidade de me somar a uma luta nacional por melhorias para a juventude, sobretudo no que diz respeito à participação social. As manifestações tinham muitas pautas, e o que mais me motivava a estar presente era a questão de estar de acordo com as necessidades populares”, conta Tiago.
O que pediam os manifestantes
As reivindicações dos brasileiros – de norte a sul – na época foram consideradas “difusas”. O movimento que começou contra o aumento das tarifas de ônibus acabou tomando forma de uma “indignação coletiva”, sem unidade de liderança ou tema central.
Dentre os principais pedidos escritos nos cartazes que o público carregava estavam:
👉”Fim da corrupção”
👉”Dinheiro para saúde e educação”
👉”Passe livre estudantil”
Resposta do governo federal
Para responder às demandas, a então presidente Dilma Rousseff (PT) fez uma reunião com os 27 governadores e os 26 prefeitos das capitais e propôs cinco pactos:
- Responsabilidade fiscal
- Reforma política
- Saúde
- Transporte
- Educação
Dentre as ações que se concretizaram, destacam-se:
- Criação da Lei Anticorrupção
- Criação do programa Mais Médicos
- Sanção da lei que destina 75% dos royalties do petróleo para educação e 25% para a saúde
- Arquivamento da PEC 37, que retirava o poder de investigação do Ministério Público
‘Negação das instituições’
Segundo Flávia Pellegrino, presidente do Pacto pela Democracia, as jornadas de junho de 2013 eram centrais para o país, mas nada do que o governo federal fizesse, naquele momento, seria o bastante para atender o que os manifestantes queriam. Isso porque, na época, começava a nascer um sentimento de negação das instituições.
“No Brasil, a partir daquele momento houve uma efervescência da politização e da participação social. Foi realmente muito positivo, mas ao mesmo tempo, acontece num contexto tomado pelo rechaço e deslegitimação do sistema político e das instituições. Três anos depois, não à toa, a gente tem o impeachment da presidente Dilma Rousseff”, diz a cientista política.
Início da polarização
A cientista política Bárbara Maia Lima, da Universidade de Brasília (UnB), explica que, apesar de não existir exatamente um consenso do que foi junho de 2013, a maioria das interpretações converge para a ideia da heterogeneidade.
“Então a gente tem novos movimentos, como é o caso do movimento do Passe Livre, tem movimentos mais tradicionais, como é o caso dos partidos e movimentos de esquerda, e a gente tem também esses movimentos que eu vou chamar de patriotas”, diz Bárbara.
Segundo ela, tais movimentos com a roupagem do nacionalismo e do uso das cores do verde e amarelo, aos poucos, acabaram se radicalizando. O processo para tal não aconteceu em linha reta e não derivou de apenas um fator, mas contribuiu para que se iniciasse a polarização política no Brasil.
“É uma mobilização muito ligada à evidenciação de aspectos negativos. Então você cria um inimigo que não é real. E disso deriva uma das características do junho de 2013 que é o crescimento do antipartidarismo e do partidarismo negativo, especialmente do antipetismo”, aponta a pesquisadora.
Antes estudante, hoje educadora
Ayla Viçosa, hoje com 28 anos, tinha apenas 18 quando participou dos atos em Brasília, em 2013. Enquanto estudante, ela conta que entrou no movimento motivada a protestar contra o aumento das passagens de ônibus.
Hoje, ela é professora de sociologia da rede pública do Distrito Federal e participou da última greve dos professores, que reivindicou melhores condições salariais e de trabalho para a categoria.
Ayla conta que já falou com seus alunos sobre as jornadas de junho, mas que, para eles, aquela época foi como o movimento das Diretas Já. “Como eles eram muito novos na época, eles se sentem à parte do que aconteceu. Como se fosse muito distante”, diz.
“Quando vou falar sobre isso isso com eles, passo documentários, principalmente quando a discussão é sobre mobilidade urbana. É fundamental a discussão sobre os movimentos de 2013, os movimentos sociais e a forma de articulação desses movimentos”, aponta a professora.
Para ela, apesar de junho de 2013 ter contribuído para outros movimentos, tanto de esquerda, quanto de direita e extrema-direita, os atos daquela época não devem ser diretamente associados à ascensão dos ideais antidemocráticos.
Como socióloga, ela entende que, desde junho de 2013, abriu-se um precedente para diferentes formas de se fazer política. Se, por um lado o setor de extrema-direita soube se localizar nesse processo, por outro, possibilidades surgiram para que as novas gerações também se sentissem livres para se posicionar.
“Eles [protestos de 2013] abriram espaço para essa possibilidade, mas não é a causa direta. Como também, se não tivesse acontecido o junho de 2013, a gente não teria tido uma série de outras ondas que aconteceram no país, como por exemplo as ondas de ocupações de escolas em 2016”, diz a professora.
Fonte: G1 DF