Conheça a história do piso com suásticas que ficou quase 60 anos no Palácio do governo da Paraíba e pode virar peça de museu

Instalados em 1937, ladrilhos foram retirados em 1995 e hoje estão armazenados na Superintendência de Obras do Plano de Desenvolvimento do Estado. Palácio está em reforma para abrigar o Museu de História da Paraíba, sem previsão de inauguração.

O Palácio da Redenção, sede oficial do governo da Paraíba, teve suásticas gravadas no piso por quase 60 anos, entre as décadas de 30 e 90. O piso de suásticas foi instalado em 1937, durante o mandato do governador Argemiro de Figueiredo, e foi retirado durante o governo de Antônio Mariz, em 1995, em meio a críticas de historiadores.

Os ladrilhos com as suásticas podem compor o acervo do Museu de História da Paraíba, que será instalado no palácio em um futuro próximo, mas ainda incerto.

Gerente operacional do museu e responsável pelo plano museológico, o artista Chico Pereira, disse que pretende exibir as peças em uma sessão que conta a história do palácio.

O secretário de cultura da Paraíba, Pedro Santos, no entanto, afirmou que, com a reforma e transformação do Palácio da Redenção em museu o debate sobre o piso de suásticas voltou à tona, mas ainda não há uma decisão sobre a exibição desse artefato histórico. De acordo com ele, a exposição dos ladrilhos será avaliada na etapa de elaboração do projeto expográfico do museu.

A exposição das peças é uma promessa feita há 29 anos pelo então governador Antônio Mariz, que pediu a retirada do piso por se sentir incomodado com as suásticas no caminho para o seu gabinete e defendeu que “o Palácio da Redenção não poderia ser vitrine de nenhum pensamento ideológico”.

De acordo com historiadores, o arquiteto responsável pela instalação dos ladrilhos tinha relações com o fascismo italiano e também apontam que Argemiro de Figueiredo, governador na época da reforma do piso, fez uma gestão com influências da ideologia nazi-fascista.

Para Chico Pereira, apesar de não terem inventado a suástica, os nazistas a adotaram. E, por ter feito parte da história do Palácio da Redenção, o símbolo merece estudo. “Isto é uma missão do Museu esclarecer cientificamente. Creio que até lá saberemos se havia de simpatias pelo nazismo no governo”, disse.

A historiadora Loyvia Almeida, pesquisadora do governo Argemiro de Figueiredo, e o coordenador-geral do Museu do Holocausto no Brasil, Carlos Reis, são alguns dos que concordam que expôr as peças é importante para discutir a história e dar oportunidade para que o “terror do Nazismo” não seja repetido.

“A exposição desses azulejos é de imensa importância, não só pra lembrar o que aconteceu, o que foi o terror do Nazismo e combatê-lo sempre, mas pra conhecer a nossa própria história. Quando a gente fala em Segunda Guerra Mundial, nazismo, holocausto, parecem coisas tão longe da nossa realidade. Saber que tais influências chegaram à Paraíba e se materializaram num piso da sede do poder governamental, torna tudo muito mais próximo. A história ensina o tempo inteiro. Recusar-se a conhecê-la é aceitar o obscurantismo da ignorância”, afirma Loyvia.

Para o representante do Museu do Holocausto, a exibição do piso deve ser feita atrelada a uma discussão sobre a história da Paraíba e de Argemiro de Figueiredo.

A história do piso de suásticas

Construído em 1586, o Palácio da Redenção foi residência oficial do governador da Paraíba e hoje é a sede do poder executivo estadual (apesar de estar em reforma para abrigar, além do gabinete do governador, um museu).

Antes do início da restauração do prédio, o palácio era utilizado para eventos especiais do governo, como receber chefes de outros estados. A estrutura do prédio passou por várias alterações ao longo desses mais de 400 anos de história e, em uma dessas reformas – na década de 30, mesma época da ascensão da Alemanha Nazista – foram instalados os ladrilhos com suásticas.

A história da instalação das peças possui várias versões, muitas delas contadas de boca a boca, ou seja, alguém ouviu outra pessoa falando sobre o assunto e afirma que se deu de tal modo. O historiador José Octávio de Arruda Melo aponta o que seria a discussão mais aprofundada sobre a instalação das peças no seu livro “Os Italianos na Paraíba”.

Segundo o escritor, os ladrilhos foram instalados durante reformas solicitadas pelo então governador Argemiro de Figueiredo, que assumiu o cargo em 1935. Inicialmente, o historiador afirmava que o arquiteto Márcio de Lascio presenciou a instalação dos ladrilhos e disse que os símbolos representavam suásticas gregas, sem qualquer ligação com o nazismo. Porém, em uma nova edição do livro, o historiador considerou que os fatos não permitem essa conclusão.

Octávio destaca a posição de liderança do arquiteto Giovanni Gioia, apontado como o responsável pela instalação dos ladrilhos com suástica, na organização da ala militante do fascismo italiano na Paraíba, participando de um grupo que divulgava as ideias de Mussolini, seja por meio de livros, revistas, palestras e até por meio do ensino do idioma italiano. Ele também afirma que o arquiteto “fazia-se partidário da aliança da Itália de Mussolini com a Alemanha de Hitler”, após a celebração do Pacto de Aço.

Ainda segundo o livro do historiador, a ascensão dos nazistas em 1933 transformou a suástica em algo característico do governo de Hitler.

A historiadora Loyvia Almeida explica que as suásticas eram símbolos utilizados por antigos povos na Índia, China e por outras civilizações ainda mais antigas. Hitler se apropriou de um símbolo já existente e deu à suástica um novo significado. E a pesquisadora não acredita que as suásticas do Palácio da Redenção sejam referentes ao símbolo anterior ao governo nazista.

“A partir da década de 1930, a suástica tem seu significado repaginado e dotado de um novo sentido. Era natural que esse novo significado se espalhasse pelo mundo, principalmente entre os países, escritores, políticos e etc, que defendiam minimamente o nazi-fascismo como uma saída viável à crise que se inaugurou a partir de 1929”, explicou.

As suásticas nazistas costumam ser representadas viradas em um ângulo de 45 graus, mas o símbolo do piso não está nessa posição. De acordo com Loyvia Almeida, apesar de não apresentar esse ângulo, o piso faz referência ao nazismo porque era um símbolo em ascensão nesse período histórico em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.

“Porque ela não está em um ângulo de 45° eu não tenho ideia, pode ter sido algum problema arquitetônico, talvez os azulejos não se encaixassem”, explica.

Argemiro de Figueiredo era nazista?

Segundo a historiadora e pesquisadora Loyvia Almeida, não há um consenso sobre qual o papel do ex-governador na instalação das peças. Ela estudou durante seu mestrado o governo de Argemiro de Figueiredo e explica que não é possível afirmar que o gestor tinha ligação com a ideologia nazista, mas avalia que ele possuía uma “certa simpatia” com o governo de Hitler.

Em sua tese de mestrado, a pesquisadora destaca que os discursos e características administrativas de Argemiro de Figueiredo sofreram influências nazi-fascistas. Loyvia afirma que assim como outros intelectuais e políticos da época, o gestor reconheceu esses governos autoritários como o modelo “ideal”.

“O contexto histórico era de ascensão e sucesso do nazismo. Hitler conseguiu tirar a Alemanha da bancarrota, Mussolini inaugurou um tipo de governo corporativo e centralizador, isso repercutiu no mundo inteiro. A própria ideologia varguista tinha influências fascistas”, explicou a historiadora ao g1. “A influência era inegável, afinal o nazi-fascismo estava ‘na moda’”, concluiu.

Ainda de acordo com a pesquisa de Loyvia Almeida, fatores econômicos do governo de Argemiro de Figueiredo podem ter aproximado sua gestão da ideologia nazista. O ex-governador foi reconhecido pelo fomento à lavoura de algodão, que era fundamental para o estado, e os alemães eram grandes compradores da safra paraibana.

Segundo a historiadora, a relação econômica ocasionou a visita de representantes do Terceiro Reich na Paraíba. Na tese de mestrado, ela ressalta ainda que uma publicação no Jornal A Voz da Borborema, em 27 de novembro de 1937, diz que a visita dos alemães naquela época tinha como finalidade supervisionar a troca comercial entre o estado e a Alemanha nazista.

Antônio Mariz solicita a retirada dos ladrilhos

Os ladrilhos com suásticas foram retirados do Palácio da Redenção em fevereiro de 1995 — Foto: Reprodução/Arquivo/Jornal A União

O governador Antônio Mariz decidiu retirar os ladrilhos com suásticas em fevereiro de 1995, no segundo mês do seu curto governo. De acordo com o Jornal da Paraíba, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep) liberou a retirada do piso, que foi realizada pela Superintendência de Obras do Plano de Desenvolvimento do Estado (Suplan).

A retirada do piso ocorreu na tarde do dia 13 de fevereiro, mas o jornal registra a ação apenas no dia seguinte, dia 14 de fevereiro. A publicação afirma que o governador ordenou a retirada porque o elemento decorativo não pertence à composição original do Palácio da Redenção e foi colocado em uma época posterior à construção do prédio histórico.

O superintendente da Suplan na época, Paulo Souto, afirmou que estavam sendo retirados cerca de 90 metros de mosaicos com suásticas.

Dois dias depois da retirada, no dia 17 de fevereiro, o ex-governador Antônio Mariz disse em entrevista ao programa de rádio “A Voz da Cidadania”, também registrada em matéria do Jornal da Paraíba, que “o Palácio da Redenção não pode ser vitrine de nenhum pensamento ideológico”.

Ex-governador Antônio Mariz decidiu retirar os ladrilhos com suásticas do palácio do governo da Paraíba em fevereiro de 1995, no segundo mês do seu curto governo; Mariz morreu sete meses depois — Foto: TV Cabo Branco/Arcevo

Ainda segundo a entrevista, o governador definiu o governo de Hitler como um fato “nefasto” da história da humanidade e ressaltou que não poderia dar vazão a manifestações nazistas. Ele acrescentou que a decisão foi pessoal e não era contrária a qualquer governo que o antecedeu.

Mariz também disse que se sentia mal ao entrar no Palácio e ver o símbolo nazista ostentado no piso que dá acesso ao seu gabinete. Além disso, o ex-governador afirmou que pretendia homenagear os pracinhas brasileiros que lutaram na Itália contra a Alemanha nazista.

Em 1995, o embaixador de Israel elogiou a retirada dos ladrilhos com suástica — Foto: Reprodução/Jornal da Paraíba

O Jornal da Paraíba também registrou que a decisão do governador Antônio Mariz ocorreu em consonância com a lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes de preconceito de raça, etnia, religião e procedência nacional. Em um trecho, a legislação define como crime “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.

Substituição do piso de suásticas do Palácio da Redenção, em março de 1995 — Foto: Reprodução/Jornal A União/Arquivo/Antônio David

Além disso, o Gabinete do Governador publicou uma nota no jornal estatal A União com uma promessa de expor as peças à visitação do público que tivesse interesse em estudar a história do nazismo. A nota não menciona como ele faria isso, mas o governo destacou que os ladrilhos não voltariam para o Palácio da Redenção.

“As peças retiradas serão mantidas fora do ambiente de um edifício público, sede de governo democrático, sob cujos fundamentos deve permanecer definitivamente sepultada a memória do racismo, da discriminação do genocídio e da guerra como solução das divergências entre nações”, afirmou.

Em 14 de fevereiro de 1995, o Jornal da Paraíba afirma que as peças seriam levadas para um Museu do Estado, que nunca foi criado. Atualmente, os ladrilhos estão guardados na sede da Superintendência de Obras do Plano de Desenvolvimento do Estado (Suplan).

O ex-governador Antônio Mariz morreu apenas sete meses depois de determinar a retirada do piso, no mês de setembro de 1995.

Nota do Gabinete do Governador divulgada no Jornal A União — Foto: Reprodução/Jornal A União

A opinião dos historiadores

A historiadora Loyvia Almeida afirmou que critica a retirada dos ladrilhos do Palácio da Redenção e considera de extrema importância a exposição das peças no museu. De acordo com ela, é necessário conhecer a história para que não volte a se repetir e para que “tenhamos dimensão do quão poderoso foi o fenômeno do nazi-fascismo se até mesmo na Paraíba ele chegou”.

“Ao meu ver foi errado. Os ladrilhos faziam parte de um contexto histórico que não pode ser negado. O nazismo como fenômeno histórico existiu. Foi nefasto, mas não dá pra apagar sua história”, afirmou a historiadora.

Ex-governador Antônio Mariz afirmou que "o Palácio da Redenção não pode ser vitrine de nenhum pensamento ideológico" — Foto: Reprodução/Arquivo/Jornal A União

O historiador José Octávio de Arruda Melo reforçou uma opinião que expôs na época da retirada dos ladrilhos: foi um erro do governador. Em 1995, a notícia também repercutiu no jornal francês Le Monde, destacando uma crítica do historiador: “O governador não pode destruir os símbolos da cultura de uma época. O importante não é retirar este símbolo dos monumentos, mas do coração dos homens”.

 O coordenador-geral do Museu do Holocausto no Brasil, Carlos Reis, disse que apesar do período em que essas peças foram inseridas no Palácio dar um forte indício da simbologia das suásticas, é importante o estudo aprofundado da figura do governador Argemiro Figueiredo, assim como tudo o que o rodeou. Ele afirma confiar no trabalho dos historiadores paraibanos para elucidar esse caso.

“Vejo com bons olhos a manutenção das peças no caso da transformação do Palácio em museu. Esta seria uma oportunidade de discutir a história da Paraíba de maneira séria e honesta, incluindo a discussão sobre o tema em painéis, recursos audiovisuais acessíveis e nas visitas mediadas para escolas”, afirmou.

O representante do Museu do Holocausto afirma que museus não são apenas espaços que guardam objetos antigos ou que preservam patrimônios materiais. “Museus são instituições com responsabilidade social, que participam do debate público, que ajudam a construir memórias e que devem ter, como protagonistas, o seu público – e não seus objetos”, ressaltou Carlos Reis.

O Museu de História da Paraíba

Palácio da Redenção João Pessoa Paraíba — Foto: André Resende/g1/Arquivo

O governador João Azevêdo assinou em novembro de 2021 o decreto que determinou a criação do Museu de História da Paraíba, no Palácio da Redenção, no Centro de João Pessoa. Em conversa, o responsável pelo museu, o artista Chico Pereira, afirmou que o prédio está passando por uma “intervenção muito severa” de recuperação.

A recuperação do prédio ainda deve levar um longo tempo e só depois que a equipe de educadores, museólogos, historiadores e arquivistas devem instalar o museu. Chico Pereira também afirmou que não quer fazer um museu de coisas antigas e destacou que a parte histórica será toda digital.

“O prédio em si já é um museu. O prédio com seus objetos e elementos já é parte da história da Paraíba. Quando abrir suas portas como museu, ele estará igual há 100 anos, mas muito melhorado”, afirmou o artista.

Chico Pereira explica que não há um projeto definido do museu, mas existe um esboço do que ele pretende fazer no local. É com base nesse esboço que ele afirma planejar expor os ladrilhos com suásticas em um setor que contará a história do prédio, junto a outras peças que fizeram parte do imóvel.

Ainda segundo o artista, apesar de ser transformado em museu, o Palácio da Redenção deve permanecer como Gabinete Oficial do governador da Paraíba, onde ele receberá autoridades e poderá realizar grandes eventos.

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