Uma inspeção conduzida pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) em unidades prisionais de São Paulo trouxe à tona graves irregularidades em exames criminológicos de presos, incluindo membros do Primeiro Comando da Capital (PCC). Esses exames psicológicos, que desempenham papel crucial em decisões judiciais como progressão de regime e concessão de benefícios penais, revelaram práticas que comprometem a individualização e a imparcialidade das análises.
Falta de Individualização nos Laudos
O relatório destacou que muitos laudos psicológicos analisados utilizavam modelos padronizados ou genéricos, ignorando as particularidades de cada preso. Em uma amostra de 108 exames, todos apresentaram pareceres desfavoráveis, indicando uma possível tendência sistemática contra os detentos. Especialistas afirmam que tal prática contraria princípios fundamentais da psicologia forense, que exige que cada exame seja elaborado com base nas características e circunstâncias específicas do indivíduo avaliado.
Essa abordagem não apenas fere o direito à defesa, mas também pode influenciar negativamente decisões judiciais, levando ao prolongamento desnecessário da privação de liberdade ou à negativa de benefícios penais. “Os pareceres padronizados demonstram uma falta de compromisso com a análise detalhada, comprometendo o devido processo legal”, alerta o relatório.
Condições Insalubres e Impacto Psicológico
Além das falhas nos laudos, as inspeções revelaram que as condições das celas onde os presos estão detidos são alarmantes. Paredes sujas, infiltrações, presença de mofo e iluminação precária são comuns nas unidades analisadas. Essas condições degradantes afetam diretamente a saúde mental dos detentos, exacerbando transtornos psicológicos existentes e dificultando a reabilitação.
As celas superlotadas e as condições insalubres foram descritas como “incompatíveis com a dignidade humana”. Segundo especialistas do MNPCT, a falta de condições adequadas agrava o estado psicológico dos presos, criando um ambiente propício ao aumento da violência e à reincidência criminal.
Violações de Direitos Humanos
O relatório classificou as práticas como violações graves dos direitos humanos, destacando que a padronização dos laudos psicológicos e as condições precárias nas prisões configuram descumprimento de normas nacionais e internacionais. A Lei de Execução Penal brasileira e tratados internacionais de direitos humanos preveem que presos devem ser tratados com dignidade e que os processos de avaliação devem ser justos, individualizados e imparciais.
Recomendações e Medidas Necessárias
Diante das irregularidades, o MNPCT recomendou:
- Revisão dos Procedimentos de Avaliação Psicológica: Implementar diretrizes que garantam a individualização dos laudos, com supervisão técnica para evitar modelos genéricos.
- Melhoria das Condições Carcerárias: Realizar reformas estruturais nas unidades prisionais para assegurar um ambiente adequado à saúde física e mental dos detentos.
- Treinamento de Profissionais: Capacitar psicólogos e outros profissionais envolvidos para garantir que os exames sejam conduzidos com rigor técnico e ético.
- Monitoramento e Fiscalização: Criar mecanismos independentes de fiscalização para garantir que as recomendações sejam efetivamente implementadas.
Impacto no Sistema Judiciário
As descobertas do relatório lançam luz sobre uma questão que vai além do sistema prisional e atinge o coração do sistema judiciário brasileiro. Decisões judiciais baseadas em laudos inadequados minam a credibilidade da justiça e perpetuam um ciclo de exclusão e marginalização.
As práticas identificadas no relatório do MNPCT representam um alerta urgente para a necessidade de mudanças no sistema prisional e judicial brasileiro. Garantir avaliações justas, condições dignas e respeito aos direitos humanos é essencial para promover uma justiça mais equitativa e um sistema que realmente contribua para a ressocialização dos presos, em vez de perpetuar a exclusão social e a reincidência.